O Fantástico Mundo da Imaginação do Reitor da UFS
Recentemente li, consternado, através da imprensa sergipana, um artigo sobre a aprovação do REUNI (programa de expansão e reestruturação da educação superior do Governo Federal) na Universidade Federal de Sergipe. Escrito pelo dirigente máximo da instituição, o Reitor Prof. Josué Modesto dos Passos Subrinho, o texto transborda de fatos distorcidos e dados completamente inconsistentes. A leitura do referido artigo deixa claro que o atual mandatário da UFS tenta, apenas e a todo custo, colar a figurinha da democracia nas decisões autoritárias tomadas por sua administração, taxando aqueles que a ela se opõem de vândalos, baderneiros e antidemocráticos.
De início, ao contrário do que o Reitor fez em seu artigo, quero dizer que não é meu objetivo brindar o leitor com ataques superficiais contra aqueles de quem discordo, mas tentar esclarecer o que de fato ocorreu naquele fatídico 25 de Outubro, durante a reunião do Cosnelho do Ensino, da Pesquisa e da Extensão -- CONEPE -- que aprovou o REUNI na UFS.
Assim, antes de tudo, é preciso refazer uma pergunta à qual o Reitor se resumiu, em seu artigo, a responder apenas com indiretas e muita ironia: por que um grupo organizado de estudantes se colocou e se coloca contra o REUNI, se ele é um programa que promete (e não faz nada mais que prometer) mais verbas para a universidade e cujo objetivo autodeclarado é o de ampliar o número de vagas nas Universidades Federais? A verdadeira resposta é por demais simples: porque o real objetivo do REUNI é o de acelerar o término da qualidade das universidades públicas, ampliando o mercado para as instituições privadas tal qual a Ditadura Militar fez com as hoje precárias escolas municipais e estaduais. Esse cenário torna-se evidente quando estudamos três aspectos relacionados à matéria em discussão: a estagnação da expansão do ensino privado no país, os dispositivos do Decreto Presidencial 6.096/2007 e o conteúdo da resolução de aderência ao REUNI “aprovada” pelo CONEPE da UFS.
O primeiro ponto pode ser muito bem visualizado nos dias de hoje. Enquanto cinco anos atrás o Ensino Superior Privado expandia-se com razoável fôlego, registrando a abertura de centenas de novas faculdades e cursos por todo país, hoje esse processo encontra-se praticamente estagnado. A saturação da oferta de vagas no mercado de ensino superior tem levado as instituições privadas a crises financeiras sem precedentes e o Governo Federal precisava dar uma resposta a esses mercadores da educação. E qual a solução encontrada por Brasília? Concluir o desmonte, iniciado há tempos, da universidade pública. Mas como? Fácil: basta fazer com que os que hoje buscam a residual qualidade das Instituições Federais de Ensino Superior deixem de ter motivos para fazê-lo. Assim, o Governo adotou o REUNI como medida para terminar de acabar com a qualidade da Educação Superior Federal, aumentando assim a demanda pelo mercado privado de educação e reduzindo os prejuízos das instituições particulares.
É possível gastar dezenas de páginas apontando, analisando e discutindo cada um dos malefícios que o REUNI trará para a UFS e as demais Universidades Federais brasileiras. Diversos setores do Movimento Estudantil, entidades ligadas à área de educação, e a própria Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN) possuem farto material de denúncia sobre os problemas que o REUNI causará. Um ótimo exemplo do escárnio que será promovido na UFS com a implantação do REUNI é a obrigação que a universidade passará a ter de atingir o índice de 90% de conclusão em seus cursos. Trocando em miúdos, a adesão ao REUNI implica em buscar que 90% dos estudantes que entram na UFS saiam dela formados. Hoje essa taxa está na casa dos 64%. Mas não é uma coisa boa aproveitar as vagas da UFS reduzindo a evasão a quase zero? Sim, isso seria muito bom. O problema é que para a realidade brasileira essa meta é surreal e inatingível caso se queira manter a qualidade da educação promovida. Prova da inatingibilidade dessa meta (sem promover a redução da qualidade) é que, no mundo inteiro, somente o Japão possui um índice de conclusão igual ao almejado pelo REUNI. Como assim? Os EUA não conseguem? Não! Nem a Europa inteira?! Não! Então como a UFS alcançará esse patamar, já que é um pré-requisito para que a universidade receba mais verbas? A resposta encontrada pela UFS veio na resolução de adesão ao REUNI aprovada pelo CONEPE.
Com o objetivo de atingir os 90% de taxa de conclusão nos cursos (e todas as outras metas do REUNI), a resolução aprovada em 25 de Outubro pelo CONEPE transformará a UFS em uma verdadeira festa: ninguém mais precisará assistir às aulas e ter os 75% de presença hoje obrigatórios. Bastará fazer as provinhas e tirar mais que 7,0 pra passar. E se mesmo assim você não for aprovado, não tem problema: no semestre (ou ano) seguinte basta fazer apenas as provinhas (denovo: nem precisa freqüentar as aulas) que você passa, sendo que a média ainda volta a ser o bom e velho 5,0 (atual média necessária para ser aprovado hoje na UFS) nessa segunda hipótese. E se o Reitor quer porque quer atingir os sagrados 90% quem é o professor louco que será capaz de ousar reprovar algum aluno, fazendo-o atrasar sua conclusão de curso?!
O interessante é que o Reitor mal falou sobre o REUNI em seu artigo. Ele “gastou” seu texto inteiro falando somente dos problemas ocorridos na reunião do CONEPE que aprovou a adesão da UFS a esse programa. E por que isso? Porque o Reitor sabe que não há cidadão esclarecido que seja capaz de concordar com esses absurdos. O Prof. Josué tem plena consciência de que trabalhar com a desinformação é a melhor arma para convencer os outros sem debate. E nós, estudantes da UFS, testemunhamos a aplicação dessa filosofia diuturnamente.
No tocante à reunião do CONEPE que “aprovou” o REUNI na UFS, o Reitor tratou apenas de jogar para a imprensa fatos isolados (e selecionados, pois se esqueceu de falar sobre o Professor integrante de sua administração que agrediu com um soco uma aluna de Enfermagem) que ocorreram durante a manifestação estudantil no Conselho, buscando atrelar a imagem dos estudantes à de baderneiros antidemocráticos. Pior: sequer se preocupou em dizer quais foram os motivos que levaram os alunos a realizar o protesto.
E o que motivou a manifestação? Bom, além da perniciosidade da matéria que seria (e foi) aprovada, há mais duas razões: 1) o projeto não foi amplamente discutido, com tempo razoável, dentro da comunidade acadêmica; e 2) as decisões na UFS podem ser tudo, menos democráticas. O CONEPE é formado majoritariamente por professores (que ocupam mais de 70% das vagas), sendo que vários deles são diretamente indicados pelo Reitor, sem eleição. Nesse conselho os estudantes ocupam a ínfima parcela de 19% dos assentos, enquanto que o Reitor, sozinho, indica 25% do total de conselheiros. Pergunto: algum desses 25% de conselheiros vai votar contra quem os indicou? Isso é democracia?
Não bastasse essa covarde desproporção na composição do CONEPE, o Reitor ainda realizou, na reunião do dia 25/10, uma manobra “democrática” capaz de deixar Médici, Hitler e Pinochet arrepiados. Vendo-se impossibilitado de prosseguir com a reunião do Conselho por causa da manifestação estudantil, o Reitor suspendeu sua realização e a transferiu para um prédio no centro de Aracaju. Há problema nisso? Não haveria, se não fosse por um detalhe: o Reitor deu conhecimento de que essa continuação ocorreria somente a seus conselheiros aliados, negando a informação a outros membros do CONEPE, que se opunham ao projeto (mas que deveriam, por direito e por dever, comparecer à nova sessão). Ou seja, contrariando diversos dispositivos estatutários e regimentais da UFS, o Reitor promoveu uma reunião “secreta”, distante da universidade, com o objetivo de aprovar, a qualquer custo, a adoção do REUNI na UFS.
E como se tudo isso não bastasse, há ainda mais indícios de que há algo de muito podre no reino da Dinamarca: recentemente os estudantes tiveram acesso à ata da mencionada reunião do CONEPE e, através dela, constatou-se que há várias informações contraditórias divulgadas pela UFS sobre essa reunião realizada fora da UFS. O próprio Prof. Josué (Presidente do CONEPE), em seu artigo publicado na imprensa, atestou que sequer sabe quantas pessoas estavam presentes na “continuação” da reunião. Ele alega que eram 21. Na ata constam 25. Estranho, não?
Ainda sobre esse episódio é interessante mencionar a grande pérola da contradição e da incoerência do Sr. Josué. Toda essa confusão só aconteceu porque o democrático Reitor da UFS recusa-se a submeter a aprovação ou não do REUNI a um plebiscito com todos os estudantes, servidores e professores da UFS, tendo cada um desses três segmentos o peso correspondente a 1/3 no cálculo final da votação. Se o REUNI é tão bom para a universidade, como alega a Reitoria da UFS, por que o “medo” do plebiscito?
Dito tudo isto, sou ainda compelido a pedir licença para falar enquanto estudante de Direito dessa combalida (mas resistente) Universidade Federal de Sergipe, pois me senti profundamente indignado e obrigado a declarar meu repúdio à forma desrespeitosa com a qual o Reitor tratou minha futura profissão. Como pode o dirigente máximo da Universidade de maior prestígio do Estado de Sergipe dizer que os cidadãos, ao buscarem seus direitos recorrendo à Justiça, estão atuando no tapetão?! Tapetão é aprovar às escondidas um projeto que vai transformar a Universidade Pública num escolão sem qualquer qualidade! Felizmente meu consolo é ter a certeza de que o Ministério Público Federal (o qual já investiga a atual administração da UFS por outras irregularidades) não verá graça nenhuma nessa ironia preconceituosa contra a digna profissão do Direito nem achará que é apelação à “chicana jurídica” apurar todos os fatos obscuros que rondam essa reunião do CONEPE de 25 de outubro.
Josué é professor universitário, doutor em Economia pela UNICAMP e Reitor de Universidade Federal. Ou seja, ignorante ele não é. Ingênuo também não. Ele sabe muito bem o que está fazendo e o faz porque quer. Assim, é no mínimo repulsivo esse cinismo descarado de sua administração, pois ao passo em que tenta a todo custo destruir a qualidade da universidade, brada aos quatro cantos que se trata de uma gestão democrática (!) a qual apenas luta por mais inclusão social. É, Reitor, está na hora de abandonar seu fantástico mundo da imaginação e voltar a pisar na realidade.
Por fim, quanto à atuação estudantil no CONEPE, Prof. Josué, eu, que em suas palavras sou um dos autoritários, antidemocráticos, sem ética e sem limites, deixo para o senhor um pensamento do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta diz-se que é violento, mas ninguém diz serem violentas as margens que o comprimem”.
Marco Túlio é estudante do 6º período de direito da UFS
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