Contribuição do Contraponto ao debate sobre o REUNI
(2ª versão – corrigida e atualizada)
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No final do mês de abril, Lula assinou o Decreto nº 6.096/07 que criou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação das Universidades Federias, o REUNI. O Decreto é uma das medidas do PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação.
O PDE, lançado simultaneamente à assinatura do Decreto que criou o REUNI, é composto por um conjunto de 30 ações. Anunciado como o “PAC da educação”, o Plano é, na verdade, um grande “guarda-chuva” para uma série de programas já existentes e alguns novos. Os resultados do PDE, ao final do segundo mandato de Lula, serão usados como parâmetro de desempenho do governo na área educacional. Neste contexto, surge o REUNI, a principal medida para a educação superior contida no PDE.
Porém, o REUNI não tem sua origem no PDE. Ele é a mais nova medida de um processo de reforma da universidade brasileira que se iniciou com a implementação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – SINAES (Lei nº 10.861/04), ainda em 2004, e que teve sua seqüência com a aprovação da Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10973/04), com o Decreto que regulamenta a presença das Fundações Privadas nas IFES (Decreto nº 5.205/04) e com a implementação do Programa Universidade Para Todos – PROUNI (Lei nº 11.096/04). Em julho do ano passado, com o envio do Projeto de Lei 7200/06 ao Congresso Nacional em regime de urgência, o governo iniciou a segunda fase da reforma universitária. Depois de três versões de anteprojeto, o PL 7200/06 conseguiu finalmente sintetizar os interesses do governo – manter o ajuste fiscal – e do mercado – aumentar a precarização das IFES favorecendo a expansão do ensino privado. Porém, com a retirada do pedido de urgência, o Projeto de Lei, com suas 368 emendas, está parado na Comissão de Educação da Câmara, sem previsão de votação. Por isso, mesmo antes de encerrar esta segunda fase – que se concluiria com a aprovação do PL 7200/06 – o governo inicia, por meio do REUNI, uma terceira etapa na reforma universitária, através do já conhecido recurso do Decreto Presidencial. A intenção do governo não é outra senão levar a cabo as medidas contidas no PL 7200/06.
O REUNI é elaborado no segundo semestre de 2006, com a divulgação de uma série de dados por parte do Ministério da Educação questionando o atual modelo das universidades federias. Segundo o MEC, elas conservam “modelos de formação acadêmica e profissional superados em muitos aspectos, tanto acadêmicos, como institucionais” (REUNI - Diretrizes Gerais, 2007). No mesmo período, é apresentado pelo reitor na Universidade Federal da Bahia, Prof. Naomar Monteiro Filho, o projeto “Universidade Nova”. A proposta sugeria como saída para superar o modelo “ultrapassado” das universidades federias a adoção de métodos de formação generalista que atenderiam um grande número de estudantes através de Ciclos Básicos de até três anos (tal como já está previsto no Art. 44 do PL 7200/06, enviado ao Congresso poucos meses antes pelo governo) e diplomas intermediários.
Além disso, no começo de 2007, circulou no MEC e em algumas reitorias, o projeto de Decreto do REUNI, já com as metas de elevação das taxas de conclusão e de aumento na proporção professor-aluno. O projeto, intitulado “Plano Universidade Nova de Reestruturação e Expansão das Universidades Brasileiras – Projeto de Decreto”, continha vários elementos do projeto apresentado pelo reitor da UFBA, ao mesmo tempo em que apontava as principais diretrizes presentes no Decreto nº 6.096/07. Ou seja, o Decreto apenas formalizou e deu continuidade a uma concepção de expansão que atende às orientações neoliberais para a universidade pública, tal como proposto pelo “Universidade Nova”.
Análise do Decreto 6.096/07
O Decreto Presidencial nº 6.096/07 tem como meta global “a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos” (Art. 1º, Inciso I). Para isso, propõe uma série de diretrizes, dentre as quais: (a) “ocupação de vagas ociosas”, (b) “revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação”, (c) “diversificação das modalidades de graduação”, e (d) “melhor aproveitamento da estrutura física e dos recursos humanos atualmente existentes”. Cada universidade deverá optar individualmente pela adesão ao Programa, submetendo esta decisão ao seu respectivo Conselho Superior, de acordo com os prazos indicados pelo Ministério da Educação. Uma vez aprovada a adesão, as universidades deverão enviar ao MEC um plano, detalhando os passos para o cumprimento das metas previstas no REUNI. O Ministério definirá se os planos estão de acordo com a proposta do Programa. Uma vez aprovados os planos, as universidades receberão um aporte de até 20% no orçamento, de acordo com o cumprimento das metas previstas para cada ano (Art. 3º).
Para atingir as metas – relação professor-aluno de 1/18 e taxa de conclusão de 90% – os planos deverão prever a “revisão da estrutura acadêmica”, sendo que “O plano de reestruturação de cada universidade deverá indicar a estratégia e as etapas para a realização dos objetivos” (Art. 4º). Dentre estas estratégias estão os Ciclos Básicos, previstos no PL 7200/06, e os Bacharelados Interdisciplinares, previstos tanto no projeto “Universidade Nova”, quanto no projeto de Decreto que circulou no início deste ano. Ou seja, embora com algumas alterações, o REUNI mantém em sua essência o mesmo caráter da expansão proposta pela “Universidade Nova” e pelo PL 7200/06. Isto porque sem um aumento proporcional de recursos é impossível ampliar o número de matrículas (ou proporção professor-aluno), tal como exige o Programa, sem o uso de instrumentos que afetem a qualidade do ensino, como os Ciclos Básicos ou os Bacharelados Interdisciplinares.
Os Ciclos Básicos cumpririam o objetivo de “melhorar o aproveitamento da estrutura física das universidades” (Art. 1º), favorecendo o processo de fusão entre turmas de uma mesma área do conhecimento (as várias engenharias, por exemplo). Ao invés das atuais aulas dialogadas; verdadeiras “palestras”, ministradas de forma impessoal, em auditórios, tal como acontece em países da América Latina e Europa. A conseqüência no curto prazo é a demissão de professores em áreas onde a demanda puder ser suprida com um número menor de docentes e a perda de qualidade no ensino, tal como registram professores que conviveram com esta modalidade de ensino nas décadas de 70 e 80.
Outra forma de atingir os objetivos do Programa dá-se através da adoção de Bacharelados Interdisciplinares. Esta proposta foi apresentada pelo projeto “Universidade Nova” e consiste na instituição de bacharelados de formação geral (na proposta do reitor da UFBA, os bacharelados seriam quatro: artes, humanidades, ciências e tecnologia). Ao final do bacharelado, dois ou três anos após o ingresso, o estudante receberia um diploma de ensino superior e, se quisesse, poderia disputar uma vaga para realizar a formação específica. A proposta dos Ciclos Básicos, já em vigor em várias universidades brasileiras, é a porta de entrada para a adoção dos Bacharelados Interdisciplinares, ameaçando o já frágil tripé ensino-pesquisa-extensão.
Dessa forma, o REUNI cria profissionais de dois tipos: o primeiro, com o diploma do Bacharelado Interdisciplinar destinado à grande maioria dos jovens, condenada ao desemprego; o segundo, que enfrentará uma segunda seleção, com uma formação específica e com alguma chance de sucesso no “mundo do trabalho”. Ou seja, uma educação pobre para os pobres e uma educação de qualidade para a “elite” que conseguir se manter na universidade. Além de um estímulo à competição, esta proposta reforça o descompromisso do Estado para com a permanência dos jovens na universidade, uma vez que quanto menor for o tempo dos cursos de graduação, menor os gastos com assistência estudantil.
Esta lógica é reforçada por um dos pressupostos centrais do REUNI: o de que existe hoje uma formação demasiadamente “precoce e especializada” (Art. 2º, parágrafo IV) dos jovens recém saídos do ensino médio. Para superar esta situação, o Programa tem como objetivo preparar “profissionais capazes de enfrentar o dinamismo do mundo do trabalho”, o que significa flexibilização dos direitos trabalhistas e desemprego. Como defendido pelo documento Tendências da Educação Superior no século XXI (1999), da UNESCO, o governo Lula prepara a universidade brasileira para o avanço neoliberal sobre direitos como saúde e educação.
Vale destacar que ambas as metas previstas no Plano – relação professor-aluno de 1/18 e taxa de conclusão de 90% – são impossíveis de serem atingidas sem um aumento significativo de recursos. Por exemplo, a duplicação da relação média professor-aluno dos atuais 1/9 para 1/18 não leva em conta o trabalho docente realizado em pesquisa e extensão, muito menos com alunos de pós-graduação, o que coloca o tripé universitário ensino-pesquisa-extensão em xeque. Ao mesmo tempo, o governo compromete-se com uma ampliação de até 20% no orçamento das IFES, mas exige que as universidades garantam uma duplicação de 100% nas matrículas, como forma de alcançar a relação professor-aluno exigida pelo Programa. Ou seja, o governo quer duplicar as vagas, mas aumentando em apenas 1/5 o orçamento de cada universidade. Além disso, os recursos previstos no Programa não prevêem o impacto do aumento de matrículas no uso dos espaços físicos da universidade, como laboratórios e bibliotecas, ou na ampliação de recursos para políticas de assistência estudantil, aumento nas verbas para bolsas de pesquisa e extensão, etc. Mesmo a Andifes, parceira de primeira hora no projeto, chegou a propor a inclusão dos alunos de pós-graduação na relação professor-aluno 1/18 e a ampliação dos prazos do Programa de cinco para 10 anos, propostas estas que não foram incluídas pelo MEC no Decreto até o momento.
Com a pressão dos dirigentes das IFES, o Ministério sinalizou com a inclusão dos estudantes de pós-graduação para efeitos de cálculo na proporção professor-aluno, porém dando pesos diferentes para casa curso em cada universidade, de acordo com a pontuação junto a CAPES, “aliviando” a proporção em cerca de dez universidades federias (aquelas com cursos de pós-graduação mais antigos e consolidados). As demais, cerca de 45, seguem diante das mesmas obrigações do Decreto. Cabe destacar ainda, que este “avanço” não tem nenhuma garantia, visto que não houve modificação no Decreto, único instrumento legal capaz de garanti-lo.
A meta de elevar a taxa de conclusão nos cursos presenciais dos atuais 60% (segundo dados no INEP) para 90% também revela o caráter demagógico do Programa. Isto porque os índices previstos são muito altos mesmo para os padrões europeus, onde há um pesado investimento estatal em políticas de permanência. Sendo esta uma das duas “metas globais” do projeto, ela só servirá ou como forma estimular a “aprovação automática”, ou como forma de diminuir o repasse dos recursos às IFES que aderirem ao Programa. Ou seja, as IFES que não cumprirem as duas metas – elevação da taxa de conclusão para 90% e relação professor aluno de 1/18 – não receberão o valor integral dos recursos, isto é, as matrículas aumentarão, mas como a meta relativa aos índices de conclusão não será atingida, as IFES receberão ainda menos recursos, tendo que administrar um universo bem maior de matrículas.
O documento “REUNI - Diretrizes Gerais”
Além do próprio Decreto que cria o REUNI, outro importante documento que detalha o caráter do Programa é o “REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federias – Diretrizes Gerais”, de agosto deste ano, elaborado por um grupo de trabalho formado pelo MEC. Nele, o governo apresenta seu diagnóstico do ensino superior brasileiro e os aspectos centrais do Programa.
O documento “REUNI - Diretrizes Gerais”, assim como o Decreto, também aponta para a necessidade de um “redesenho curricular” como forma de alcançar os níveis de qualidade desejados pelo Programa. Mas diferente deste, o texto de “Diretrizes” deixa explícito que a “reorganização dos cursos de graduação” e a “diversificação das modalidades de graduação” se dará através de Ciclos Básicos e Bacharelados Interdisciplinares. No capítulo 9, que trata das “recomendações”, o documento registra claramente a disposição do MEC em incentivar o uso destes mecanismos ao afirmar que “os projetos poderão romper com a estrutura tradicional de ingresso já em cursos profissionalizantes sendo possível propor estruturas que prevejam uma formação inicial de curta duração e diplomas intermediários como parte do caminho para a profissionalização ou formação específica”. Isto não significa outra coisa senão o uso do Ciclo Básico e do Bacharelado Interdisciplinar para o cumprimento das metas globais do Programa através de uma expansão tal como idealizada pelo “Universidade Nova”.
O texto de “Diretrizes” também trata da relação de 18 alunos por professor. Assinala que ela foi fixada pelo MEC com base nas determinações da LDB em relação à carga horária dos professores (Art. 57). Estimando-se uma carga horária discente de 20 horas semanais, com a proporção de 1/18 teríamos salas de aula com 45 estudantes. Sendo assim, levando-se em conta que vários cursos não poderão, por suas próprias características, manter a média de 45 alunos na maioria das disciplinas (os cursos da área da saúde, por exemplo), podemos supor que outros cursos terão que compensar esta diminuição. Além disso, para manter a média de 18 alunos por professor, levando-se em conta as atuais taxas de evasão, será necessário que os cursos tenham nos primeiros semestres um número de alunos muito superior aos 45 por turma. Resultado: turmas superlotadas (tal como no ensino médio), perda na qualidade do ensino, e a criação, dentro de uma mesma universidade, de “cursos-referência” e “cursos de segunda categoria”. Isto porque, de acordo com as diretrizes do REUNI, o Plano em cada universidade pode prever a implementação de medidas como os Ciclos Básicos ou os Bacharelados Interdisciplinares em apenas alguns cursos e preservar a estrutura de outros tal como estão hoje. Como destaca o documento, “os projetos apresentados pelas universidades poderão iniciar-se no conjunto de suas unidades acadêmicas, em algumas delas e/ou em novas unidades a serem criadas, desde que, ao final do período de cinco anos, a meta estabelecida seja alcançada”. Ou seja, dentro da mesma instituição será possível contar com cursos servindo ao atendimento das metas previstas no REUNI, dedicados exclusivamente ao ensino, concorrendo com verdadeiros “cursos de excelência” que terão o “privilégio” da pesquisa e da extensão. Uma lógica já existente em muitas instituições privadas.
Cabe destacar ainda, em relação à proporção professor-aluno, os índices apresentados pelo ANDES-SN em países de organização acadêmica semelhante à brasileira. Segundo o sindicato dos docentes “os valores da razão professor/estudante atualmente praticados no Brasil são muitos próximos aos números que se verificam em vários outros países (...) como, por exemplo, os países nórdicos da Europa, a Alemanha e o Japão”. Ou seja, por trás das críticas do MEC à relação professor-aluno atualmente existente no Brasil, está a determinação de importar o modelo de educação neoliberal preconizado pelo Consenso de Bolonha (1999) e presente nos colleges estadunidenses.
Outra medida citada pelo documento, e detalhada pela Portaria Normativa Interministerial nº 22/07, é a proposta de criação de bancos de “professores-equivalente”. Como afirma o ANDES, “o banco de professores-equivalente corresponde ao total de professores de 3º grau efetivos e substitutos com exercício na universidade no dia 31/12/2006”. Tomando por base o salário de um professor efetivo, o governo criou um peso diferenciado para cada docente de acordo com sua condição de trabalho. Por exemplo, o “professor-referência” definido pela Portaria é o Professor Adjunto, com carga de 40h/semanais. Ou seja, o professor adjunto com carga de 20h/semanais equivale à metade (ou 0,5) do “peso” dado a um “professor-referência”. Como destaca o ANDES, “nessa lógica, um docente em dedicação exclusiva vale um pouco mais (1,55) que três professores efetivos em regime de 20h (0,5) e um pouco menos que quatro professores substitutos com 20h (0,4)”. Ou seja, na medida em que se aposentam os professores em regime de dedicação exclusiva ou na condição de professor titular com 40h, o MEC abre a possibilidade para que as IFES contratem mais professores substitutos (mais baratos) com o objetivo de cumprir as metas produtivistas do REUNI. Ou seja, desde que o “banco” de professores seja mantido, tal como foi registrado na data da portaria, e preservadas as diretrizes da LDB, as IFES terão “autonomia” para a contratação de professores substitutos voltados exclusivamente para o ensino em sala de aula. O efeito desta política será a diminuição da pesquisa e da extensão em detrimento de uma lógica de “resultados” e de precarização das condições do trabalho docente.
Financiamento e Autonomia
Do ponto de vista do financiamento, o REUNI não apresenta perspectivas que justifiquem a euforia que têm tomado conta de alguns dirigentes de IFES e de setores do movimento estudantil. Além de poucos recursos, o “contrato de gestão” proposto entre o MEC e as universidades não apresenta garantias de que, ao final dos cinco anos do Programa, os investimentos serão mantidos. Por se tratar de um Programa, e não de uma Lei, o REUNI é mais uma entre as tantas “políticas de governo” aplicadas por Lula. Além disso, o próprio Decreto é claro ao condicionar os recursos “à capacidade orçamentária e operacional do MEC” (Art. 3º, parágrafo III).
Com relação ao balanço feito pelo governo dos investimentos públicos em ensino superior, cabe destacar alguns dados presentes no documento de “Diretrizes”. Em relação ao investimento geral, o MEC destaca um aumento real de cerca de 30% no orçamento para o ensino superior entre 2002 e 2007. Porém, dados do Ministério da Fazenda indicam que houve uma diminuição da despesa líquida com a manutenção e desenvolvimento da educação superior em relação à Receita Bruta de Impostos da União. Em 2003, estes gastos representavam 5,6% da Receita de Impostos, enquanto que em 2005 representaram apenas 5,1%, e em 2006, 5,3%. Ou seja, o MEC fala em aumento dos investimentos na educação superior, mas omite que este aumento foi proporcionalmente menor em relação ao aumento na arrecadação de impostos, isto é, o governo arrecadou mais e investiu proporcionalmente menos na educação superior!
Em relação aos valores previsto para o Programa, considerando a hipótese de participação de todas as IFES, o total de recursos anunciados pelo MEC é da ordem de 2 bilhões de reais, para o período que vai de 2008 a 2011 (bem menor que os 3,75 bilhões anunciados num primeiro momento). Este valor também é menor que o montante renunciado pelo governo Lula através da isenção fiscal das instituições que aderiram ao PROUNI entre 2004 e 2006, que segundo dados do ANDES chega a quase 3 bilhões de reais.
Além da farsa do financiamento, o REUNI também cria uma ilusão em relação ao “respeito à autonomia universitária” (Art. 4º) preconizada no Decreto nº 6.096/07. A imposição de metas fixas a todas as universidades, indiscriminadamente, obriga as IFES a se comprometerem com um amplo programa de reestruturação feito dentro de prazos exíguos e determinados de cima para baixo. Além disso, com a adesão ao REUNI, as universidades federias estarão abrindo mão de sua autonomia, especialmente financeira, sendo obrigadas a cumprir o plano de investimentos encaminhado ao MEC.
A expansão que defendemos
Setores ligados ao governo e aos grupos mais conservadores da universidade brasileira têm afirmado que o REUNI pode ser a salvação da universidade pública brasileira, e que criticá-lo é um contra-senso. Afirmam que não se pode ser contra a “expansão” de vagas e a “oportunidade” de garantir o ingresso de mais jovens no ensino superior. De fato, os setores que hoje se opõem à reforma universitária implementada pelo governo Lula não são contra a expansão da universidade pública e a democratização de seu acesso. Pelo contrário, temos nos pautado pela luta em defesa do ensino público, gratuito, laico e de qualidade. Por isso, ao contrário dos que defendem “qualquer expansão” ou “nenhuma expansão”, defendemos a universalização do acesso ao ensino superior com qualidade, através do investimento pesado do Estado em educação e políticas que garantam que todos os jovens, especialmente os pobres, negros e negras, tenham a chance de estudar em universidades públicas. Acreditamos que políticas como o PROUNI - que compra vagas nas universidades privadas -, ou o REUNI - que propõe ampliar as matrículas nas IFES sem aumento dos investimentos, através de uma concepção produtivista e empresarial da educação - são políticas demagógicas que aprofundam a atual situação de fragilidade da educação pública e fortalecimento do ensino privado.
No lançamento do PDE, Lula afirmou que aquele era o “Plano mais abrangente já concebido neste país para melhorar a qualidade do sistema público e para promover a abertura de oportunidades iguais em educação”. Parece que o presidente simplesmente esqueceu de outro plano: o Plano Nacional de Educação, com metas muito mais ousadas que as contidas no PDE, dentre elas o investimento de no mínimo 7% do PIB em educação e a ampliação do número de matrículas no ensino superior para 30% dos jovens entre 18 e 24. Não por acaso, Lula desconsidera o PNE. Desde que assumiu, ele mantém os vetos que poderiam fazer do PNE o plano que a sociedade brasileira construiu. Portanto, a luta “número um” do movimento estudantil, e da UNE em particular, deve ser pela derrubada dos vetos de FHC, mantidos por Lula, a todos os artigos do PNE (incluindo os pontos que tratam da ampliação do investimento em ensino superior). A tática da “disputa” dos projetos apresentados pelo governo já deu mostras suficientes de que é incapaz de modificar o caráter neoliberal destas medidas. O PL 7200/06 é o exemplo mais evidente: 368 emendas, em sua esmagadora maioria, conservadoras. E qual o grau de incidência da UNE sobre o projeto? Praticamente nenhum.
Por isso, o campo Contraponto acredita que é preciso barrar as medidas em curso e lutar pela revogação das já aprovadas. Neste processo, a Frente de Luta Contra a Reforma Universitária cumpre um importante papel na articulação de ações que possam desmascarar o caráter neoliberal das políticas do governo Lula para a educação superior. Em relação ao REUNI, temos uma árdua missão: impedir, em cada universidade, através da mobilização dos estudantes, docentes e servidores em geral, a aprovação dos projetos em cada Conselho Universitário. Com a derrota do REUNI em cada universidade, poderemos retomar a onda de vitórias do primeiro semestre deste ano com as ocupações de reitorias em todo o país.
Esta é nossa tarefa: denunciar o caráter conservador do REUNI e organizar os estudantes para a luta em defesa da expansão com qualidade da universidade pública!
Contra o REUNI!
Contra a reforma universitária de Lula!
Derrotar o neoliberalismo!
CONTRAPONTO
Porto Alegre, Setembro de 2007.
Referências
ANDES, Cadernos, 2007. Nº 25. Brasília, DF.
BRASIL, 2007. Projeto de Lei nº 7200/06. Câmara dos Deputados. Brasília, DF.
BRASIL, 2007. Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007. Presidência da República. Brasília, DF: Diário Oficial da União de 25.04.2007.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2007. REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Brasileiras – Diretrizes Gerais. Brasília, DF.
ARAÚJO, Luiz, 2007. Os fios condutores do PDE são antigos. Brasília, DF.
CONTRAPONTO
Por um movimento estudantil democrático, autônomo e de luta!